As ferramentas e a alma; as ferramentas da alma


Em primeiro lugar quero deixar claro que aqui quem fala é uma pessoa que possui 3 endereços de email, dois blogs, MSN, skype, orkut, facebook, twitter e algo mais. Portanto, NÃO coloco aqui manifestação contra o universo virtual. Quero apenas destacar que o palco da formação espiritual é mundo real. Três fatos que presenciei diretamente ilustram o que pretendo discutir. Primeiro, em uma viagem estava eu na Lan House, verificando meus emails, quando ao meu lado verifiquei três rapazes conversando com uma menina de no máximo 13 anos. Os rapazes faziam certos comentários inescrupuloss, enquanto a menina se despia com poses sensuais em frente à webcam, na “privacidade” de seu quarto sem saber por quem ou onde sua imagem era vista. O segundo fato foi quando recebi um recado gentil e generoso de uma menina em meu orkut. Entrei em sua página e me deparei com diversas comunidades de morte e suicídio, bulimia, auto flagelação. E, finalmente, certo dia foi verificado em uma escola de ensino fundamental que algumas meninas da sexta série entravam no banheiro, se fotografavam nuas com seus celulares e saiam exibindo aos meninos da classe. As famílias certamente não imaginam que tais coisas estejam ocorrendo com seus filhos, pois têm sua atenção voltada para outras prioridades.

É urgente privilegiar os contatos pessoais em família. O abandono do diálogo, das narrativas sobre a história de vida de cada um,a ausência dos conflitos saudáveis entre pontos de vista diferentes que surgem da convivência saudável, juntamente com a necessidade de buscar cada vez mais recursos materiais para satisfazer os desejos dos filhos, têm contribuído para formar pessoas individualistas, egocêntricas e sem resistência a frustrações. A falta de convívio social faz com que certos transtornos e comportamentos patológicos se naturalizem, já que nas comunidades virtuais só se encontram os iguais. Se na escola ou em outros ambientes da vida real a pessoa diz, por exemplo, que pratica auto flagelação, causará estranheza e repúdio a esta atitude por grande parte dos colegas. Mas no mundo virtual milhares se parecem com ela, trocam dicas de como fazer para que a dor seja maior, para que os pais não descubram. O problema é a internet? De modo algum. O problema somos nós. Mais de oitenta por cento da população brasileira é religiosa ou diz ter religião. Seria de esperar que priorizássemos a formação espiritual e  tivéssemos a atenção focada em oferecer boa educação, princípios éticos e valores humanistas aos jovens. Mas sem notar, os abandonamos e o universo bidimensional das telas ocupa mais espaço na história de vida das novas gerações, do que as pessoas com as quais habita.

Temos uma ilusão de segurança no espaço privado, enclausurado em nossas casas. Sem quintal, sem rua, sem colegas ou amigos há o isolamento e o “tudo para si”. Sem a convivência não se consegue ter experiência com a diversidade. Sem a diversidade não há humanidade. Para com viver (viver com e não ao lado de) é preciso dedicar tempo, paciência e persistência. Quando dizemos aos nossos filhos que não temos tempo para algo, de que estamos falando? De nossas prioridades. Não temos tempo de ir na reunião da escola, de ir ao parque, ao zoológico. Entretanto, nosso tempo é onde, não quando. Onde colocamos nossa atenção, lá está nosso tempo, nosso foco, nosso "tesouro", nosso olhar.

Com um pouco de reflexão, poderemos girar a roda do destino em outra direção. Por que uma criança de oito ou nove anos e até mais nova, precisa de privacidade em uma casa, com seu pc, seu celular, sua TV?  De que afinal precisamos como espíritos eternos que somos? Precisamos uns dos outros. Cantigas e histórias para dormir, atenção e carinho, bons exemplos, amigos, comida de mães e avós, cafuné e olhos nos olhos. Essas são as ferramentas da alma, que não ficam obsoletas e não devem ser substituídas. Somente depois, todo o resto.

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