Suicídio na adolescência: problema de saúde pública e doença da alma

A adolescência é uma fase de intensidades. Tudo se amplifica diante da possibilidade de assumir a própria vida, o corpo em transformação, a descoberta do amor, dos amigos, encontros marcantes, desencontros. O zoom da visão de mundo aumenta e tudo: emoções, frustrações, conhecimentos parecem definitivos. É o momento de pensar sobre o futuro, mas no qual parece só existir o presente. O jovem muitas vezes não demonstra sua angústia, aparentando alegria, disfarçando seus temores. Atualmente esses fatores são ainda mais frequentes, pois criou-se um padrão de força, coragem e felicidade perene.

Nesse contexto, os vínculos familiares são muito importantes. É extremamente arriscado ficar com os olhos voltados apenas para as aparências, para conquistas materiais. O contato "olhos nos olhos" com os filhos pode representar a tábua de salvação. O adolescente quer sentir a preocupação de seus pais. O "não pode"  deixa os adolescentes nervosos e irritados, mas funciona como "âncora" neste mundo cheio de facilidades para a prática do suicídio, o acesso às drogas e tantos outros riscos.

Geralmente, quando um jovem tenta suicídio, está buscando uma mudança ou solução para um problema que os outros não valorizam. Não quer acabar com a vida, mas modificar uma situação diante da qual se sente impotente. Pode envolver a falta de comunicação ou indiferença dos pais, rompimento de relacionamentos afetivos, humilhações e conflitos no meio social, entre outros. Se algum amigo ou parente já se suicidou, existe um risco ainda maior de repetir esse padrão. 

A autodestruição pode ocorrer de forma trágica e repentina, como através de armas, intoxicação voluntária, ferimentos, acidentes etc. ou de modo gradual, com o uso de drogas e recusa à alimentação. As estatísticas sobre esses fatos não são fiéis, pois nem sempre essa forma de morte é declarada pelos familiares. Muitas vezes é atribuída a acidentes, entre outros fatores externos. Mas o suicídio é considerado a segunda ou terceira maior causa da morte de adolescentes, ficando atrás apenas de acidentes e violência urbana.

Sinais de perigo:
  • Quando o jovem começa a falar em morrer, verbalizar que não quer mais viver, ou que a vida não vale mais a pena;
  • Tentativas anteriores de acabar com a própria vida;
  • Agir como se estivesse preparando-se para uma viagem ou agir como que se despedindo de todos;
  • Atração súbita por armas de fogo e produtos tóxicos;
  • Depressão e transtornos mentais e psiquiátricos;
  • Distúrbios alimentares, comportamentos autodepreciativos;
  • Isolamento físico e psicológico dos amigos e familiares;
  • Redução do rendimento escolar;
  • Choro e tristeza constantes.
É necessário ainda uma atenção especial em relação aos acessos à internet, pois em um mundo virtual, sempre há chances de encontrar outros "iguais" e naturalizar comportamentos socialmente inaceitáveis. Neste ambiente não há contraponto, e quando isso ocorre, a idéia de suicídio se torna regra e não exceção. Quando  o adolescente tenta evitar o uso do computador próximo às outras pessoas, isso também pode representar um risco.

O outro lado
Quando a pessoa começa a pensar em suicídio, na  porta aberta pelo desequilíbrio psíquico, surge a obssessão espiritual. Neste processo, a perspectiva distorcida de que o problema não tem saída é amplificada ao extremo. De qualquer modo, a vida espiritual do suicida é das mais difíceis. Não se trata do sofrimento aqui descrito de estar em um lugar mais ou menos sombrio, e sim muito mais da dor da frustração, ao notar que a morte não existe e que com o ato destrutivo seus problemas só se tornaram absurdamente mais graves. A repercussão do fato consumado, que o afasta daqueles que amou, o sofrimento dos familiares que o atingem de modo intenso, a sua consciência que é a primeira a acusá-lo, são algumas das causas de sofrimento. Em alguns casos pode sentir-se preso ao corpo físico,  por tempo indeterminado, como um balão preso ao barbante, sem saber se é um "morto vivo" ou um "vivo morto". Evidentemente aqueles que já apresentavam algum transtorno psiquiátrico, sem lucidez para refletir sobre a vida, não encontrarão tal realidade, pois a consciência do ato cometido é que abre as portas para as dores da alma.

Caminhos da prevenção
O melhor a fazer para evitar tão complexo problema é não esperar a adolescência. É na infância que são construídos os laços de autoridade e de amor, que podem formar uma personalidade saudável e equilibrada. O diálogo, o respeito e o carinho precisam ser constantes e perenes. As gerações mais novas precisam conhecer a história dos pais, avós, e também de seu nascimento, coisas de quando aprendeu a andar, a falar. Faz parte da formação de uma identidade sólida a consciência de pertencimento ao grupo familiar. Deste modo, ainda que tenha início um processo autodestrutivo, há uma chance maior de retorno à normalidade. Conhecer os filhos verdadeiramente, aceitar que os conflitos podem ser resolvidos, nunca fechar os canais da comunicação, preocupar-se com os estudos, os amigos, as "relações virtuais",  reduzem muito as chances de que a instabilidade e intensidade das emoções dos jovens resultem em tragédia;. Se achar necessário, procure os órgãos de assistência aos desesperados, como CVV, entre outros.

Embora algumas vezes não se note, a opinião dos pais tem bastante peso para os filhos e quando eles cometem alguma falta e imaginam que os pais ficarão excessivamente decepcionados, começam a pensar em suicídio. Isto pode ocorrer se houver um nível muito alto de expectativa e exigência dos pais em relação ao jovem. Ele fica retraído, com sentimento de inferioridade e a relação familiar passa a se sustentar em um solo emocional instável e artifical. A intenção não é se matar, mas não ver a frustração e tristeza dos pais. Por isso é muito importante o diálogo que não julga, mas acolhe e orienta. A aceitação de que todos cometem erros, mas que sempre é possível  refazer os caminhos, é uma arma contra o isolamento e a idéia de "fundo do poço". Os adolescentes precisam estar seguros de que serão sempre amados, que as mãos dos adultos estarão estendidas para levantá-lo, que confiam em sua força de mudança .

Além disso, é bom não esquecer que a formação espiritual é fundamental. A religiosidade é uma defesa eficiente, pois além de promover a reflexão sobre o sentido da vida, sobre o pós-morte,  ainda mobiliza recursos poderosos e reais, atraindo grupos socorristas que atuam em todas as religiões, fortalecendo a família e criando barreiras à obsessão. Deste modo, com a união entre as forças do amor no lar e da assistência espiritual, a família fica menos vulnerável. Voltar o foco para as pessoas e não para as coisas é necessário hoje, muito mais que em toda a história humana.

Já aconteceu. E agora?
Se você possui algum ente querido que praticou o suicídio, é possível ajudá-lo. Acreditamos que assim como não há dois seres humanos idênticos, não há situações idênticas de morte ou  pós-morte. Em primeiro lugar, em qualquer templo religioso que frequente, procure orar em seu favor, pedindo a intercessão divina para esta pessoa. As orações aliviam o sofrimento destes espíritos, suscitando-lhes o desejo de reforma e mudança de atitude, da busca da cura, enfim. As preces podem ser repetidas por anos sem interrupção. De preferência em templos religiosos, e não em casa. Isto porque apenas as igrejas, centros espíritas, entre outros locais em que se cultuam a espiritualidade, possuem preparo e recursos suficientes para o socorro ao espírito de um suicida. De nada adianta questionar se estão sofrendo ou não, imaginar infernos para aquele que se autodestruiu. Melhor é superar o luto agindo no sentido da renovação, participando de grupos de ajuda e orientação às famílias em situação semelhante. Não é fácil vencer os sentimentos de mágoa, desprezo e choque deixados pela morte em circunstâncias tão difíceis. Mas Deus providencia recursos de misericórdia e cura, na estrada do tempo, esperando que, de nossa parte,  "não desistir de nossos entes queridos" valha eternamente. Desfeita a ilusão da morte, restará sempre a vida, vitoriosa, gerada por Deus e que  nunca é destruída.

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