Sim, nós temos pesquisas

Espiritismo, espiritualismo ou espiritualidade, sob o ponto de vista de muitos acadêmicos, são temas que nem merecem atenção. Em alguns artigos, percebemos uma mensagem implícita de “óbvio que isto é crendice”. Deste modo se desmerecem ou se descaracterizam temas relacionados à espiritualidade, identificando-os como “não ciência”. Isso não é nada raro, especialmente em revistas de reconhecimento científico internacional, que “legitimam verdades”. Felizmente, aos poucos, essa situação está mudando. Pesquisadores de diversas universidades brasileiras atualmente se interessam pelo tema, que, afinal de contas, toca profundamente a essência humana desde os primórdios das civilizações. As pesquisas acontecem em diversas áreas: educação, literatura, antropologia, psiquiatria, psicologia, história. São realizadas por espíritas, espiritualistas ou agnósticos. No site da FEB, há um link que concentra diversas pesquisas e está sempre aberto para a inclusão de outras, que podem ser sugeridas pelos leitores.
Abaixo, cito o resumo de algumas, apenas para se ter uma idéia da abrangência dos assuntos tratados.

Eurípedes Barsanulfo: um educador espírita na Primeira República (BIGHETO, Alessandro César. Dissertação de Mestrado – UNICAMP, 2006)

Este trabalho pretende resgatar, para a história da Educação Brasileira, a figura do educador espírita, mineiro, Eurípedes Barsanulfo (1880-1918), fundador e diretor do Colégio Allan Kardec (Sacramento), primeira escola espírita no Brasil. Mostra a especificidade da sua proposta, de educação ativa, gratuita e espiritualista, analisando suas heranças, práticas, contexto sociopolítico cultural e idéias pedagógicas do período. A metodologia se dá na pesquisa histórico-bibliográfica sobre os temas abordados e na pesquisa em fontes primárias (manuscritos, entrevistas com testemunhas, alunos e descendentes, artigos de jornal, retratos, fotos, Atas da Câmara Municipal de Sacramento etc.). Este trabalho pretende precisar os aspectos específicos da prática de Eurípedes no contexto de sua época e como iniciador de uma corrente nova de educação, com desdobramentos até hoje. Trata-se de mostrar sua contribuição, numa visão crítica da história, mas incorporando a perspectiva do discurso espírita, pois o que se esboça no primeiro momento da pesquisa é a originalidade da proposta pedagógica kardecista, iniciada por Eurípedes.

Morte no corpo, vida no espírito: o processo de luto na prática espírita da psicografia (GUARNIERI, Maria Cristina. Mestrado – PUC/SP, 2001)

A tendência à banalização da morte e do morrer tem crescido muito. O mundo
secularizado trouxe grandes avanços para a humanidade, mas, como conseqüência, uma dura realidade se revela: não há lugar para as expressões de sofrimento, dor e morte. Esta realidade já é visível nos grandes centros urbanos, onde os ritos e espaços que possibilitam a integração e a reflexão sobre a morte são pouco valorizados. Entrar em contato com a morte nos obriga a encontrar um outro sentido para a vida, mas também nos leva a buscar o da morte. Partindo da compreensão sobre morte e luto no desenvolvimento humano, baseada em autores como Carl Gustav Jung, John Bowlby, Colin Parkes, foi possível perceber que o tema pedia uma ampliação para abordá-lo. A sociologia do conhecimento de Peter Berger e Thomas Luckmann, a antropologia da morte de Edgar Morin, as contribuições do historiador Phillipe Àries auxiliaram em uma visão mais completa deste ser humano diante da consciência de sua mortalidade. O objetivo desta dissertação é demonstrar a importância do espaço religioso, especificamente o espiritismo, como continente à elaboração do luto e às questões sobre a finitude humana. O espiritismo, por acreditar em uma vida após a morte, entende que é possível comunicar-se com os espíritos dos mortos. A prática da psicografia, analisada neste trabalho, acaba sendo um meio facilitador nesta elaboração e acaba por criar um espaço de acolhimento deste enlutado e de suas questões. Finalizando, foram escutados 17 enlutados que contam sobre sua experiência de perda, fundamentando a importância de nos abrirmos para a questão, do sentido de ser humano. Este trabalho pretende contribuir para a compreensão da religiosidade como pertencente à psique humana e como a existência do indivíduo é permeada por crenças, símbolos e atitudes religiosas que permitem integrar a morte em sua história, mas, principalmente, resgatar e valorizar a vida.

O caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade (ROCHA, Alexandre Caroli. Tese de Doutorado, Unicamp, 2008)

Entre 1937 e 1969, publicaram-se 12 livros que o médium Francisco Cândido Xavier atribuiu ao escritor Humberto de Campos e a Irmão X. O objetivo desta tese é estudar o funcionamento autoral desses textos. Ela foi dividida em cinco capítulos: uma apresentação de Humberto de Campos; um breve histórico da mencionada atribuição de autoria; uma análise da construção de um autor espiritual; uma leitura de cinco textos do conjunto mediúnico; e uma interpretação das noções autorais despertadas por tais livros.

As práticas religiosas atuando na recuperação de dependentes de drogas: a experiência de grupos católicos, evangélicos e espíritas. (SANCHEZ, Zila. Tese de Doutorado – USP, 2006)

O tratamento religioso para dependência de drogas ganha espaço na saúde pública brasileira e compartilha responsabilidade com o serviço de saúde convencional. Tais intervenções são consideradas eficazes pelos
indivíduos submetidos a elas e despertam a atenção destes pela forma humana e respeitosa pela qual são tratados. A maior potencialidade destes tratamentos está no suporte social do grupo que os recebe, no tratamento de igual para igual e no acolhimento imediato e sem julgamentos, mostrando que o sucesso destas ações não se esgota num possível aspecto “sobrenatural”, como poder-se-ia supor, mas sim, em especial, na dedicação incondicional do ser humano por seu semelhante.

Leia estas e outras pesquisas na íntegra.

A quantidade, diversidade e qualidade das pesquisas nos dão a certeza de que o positivismo, o materialismo, o consumismo, o economicismo e outros ismos não conseguiram “matar o espírito”. Pelo contrário. Ele está cada vez mais evidente em nossa cultura, nas filosofias, em nossas buscas, ao nosso redor, e é mesmo a parte mais viva dentro de nós.

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